Capítulo 3: A plebe rural
'Quem é pobre, pouco se apega, é um giro-o-giro no vago dos gerais, que nem os pássaros de rios e lagoas.' (GSV) (35)
"A massa da população do meio rural brasileiro congrega, ao longo de nossa história, todos aqueles que não são nem senhores nem escravos." É uma "imensa massa humana excluída do processo produtivo principal, e que vive como pode, aplicada a atividades marginais e esporádicas." (36)
"Seu grande contingente, sua desocupação e disponibilidade foram preocupações constantes para os administradores da colônia e, posteriormente, para os dirigentes do Império e da República, fonte que era de turbulência e desordem, risco para a ordem pública." (36)
"No meio rural, esses desocupados tornam-se geralmente agregados e moradores, isto é, dependentes do (36)
fazendeiro." Estes moradores ou agregados constituem 80% da população do interior. (37)
"A liberdade absoluta desses homens, que deriva da falta de tudo - de propriedade, de tradição, raízes, qualificação profissional, instrumentos de trabalho, direitos e deveres -, tem como corolário a dependência também absoluta. O único meio de sobreviver é colocar-se sob a 'proteção' de um poderoso." Riobaldo e sua mãe havia sido protegidos pela família Jidião Guedes, por exemplo. (37)
"Essa terra em excesso não é, todavia, livre: ela pertence sempre a um proprietário, que tem o direito de permitir que alguém nela more e pratique uma pequena lavoura de subsistência." (...) "o morar 'de favor' em terra alheia traz implícito o compromisso pessoal com o proprietário da terra, haja ou não contrato de trabalho" (37)
"Tais mínimos [vitais e sociais] se expressam em trabalho rudimentar e esporádico, alimentação insuficiente, frouxa trama da organização social, produção cultural quase inexistente. Decorre daí a típica mobilidade do homem pobre do meio rural: os laços que o prendem ao lugar são facilmente rompíveis." (38)
O papel e a posição do homem livre pobre são contraditórios. "encontra sua subsistência em atividades residuais, para o exercício das quais depende da autorização do dono da terra. O direito de moradia, contrato verbal de pessoa para pessoa, implica na reciprocidade de serviços por parte do morador. Mas a outra ordem de relações, regida pelo interesse, leva frequentemente o fazendeiro a expulsar o morador quando precisa das terras anteriormente cedidas. Sua lealdade, portanto, é alternadamente solicitada e violada. Uma vez expulso, resta-lhe por o pé na estrada e procurar outro senhor." (38)
Seu lugar é precário, por não ser necessário à atividade produtiva básica e central e porque mesmo na pecuária extensiva a pouca necessidade de braços e a facilidade de substituí-los o colocam numa posição de fraqueza. (38-9)
"A área em que se move é a área das relações pessoais e contingentes, seja com seus companheiros de destino, seja com os poderosos dos quais depende: 'jagunço não é muito de conversa continuada nem de amizades estreitas: a bem eles se misturam e desmisturam, de acaso, mas cada um é feito um por si' " (39)
"Destituído de formas organizatórias e institucionais que regulamentem suas relações com os demais homens, os conflitos, por mínimos que sejam, só podem ser resolvidos mediante a violência." Como diz Maria Sylvia de Carvalho Franco: 'Em seu mundo vazio de coisas e falto de regulamentação, a capacidade de preservar a própria pessoa contra qualquer violação aparece como a única maneira de ser: conservar intocada a independência e ter a coragem necessária para defendê-la, são condições de que o caipira não pode abrir mão, sob pena de perder-se. A valentia constitui-se, pois, como valor maior de suas vidas.' (39)
"É isto que o percuciente Riobaldo está expressando, quando diz: 'Em jagunço com jagunço, o poder seco da pessoa é que vale' (39)
Bibliografia:
GALVÃO, Walnice Nogueira.
(1972) As formas do falso. Um estudo sobre a ambiguidade no Grande Sertão: Veredas. São Paulo: Editora Perspectiva.
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