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"Redemoinho", xilogravura de Arlindo Daibert |
(Continuação)
Vento
"Mensageiro de grandes notícias, precursor de acontecimentos decisivos - talvez reminiscência bíblica - o vento é personagem importante de Grande Sertão: Veredas." (48)
"Adolescente, quando vê, pela primeira vez, um bando de jagunços, em casa do padrinho Selorico, eles rompem de portas a dentro 'com uma aragem que me deu susto de possível reboldosa'. Desde essa noite, às vezes confundido com o próprio destino, o vento será seu companheiro de aventuras" (48)
"A paixão por Diadorim se revela numa tarde de muito vento: 'O rancho era na borda-da-mata. De tarde, como estava sendo, esfriava um pouco, por pejo (48)
do vento - o que vem da Serra do Espinhaço - um vento com todas as almas. Arrepio que fuchicava as folhagens ali, ia lá adiante, longe, na baixada do rio, balançar esfiapado o pendão branco das canabravas (...) Me deu saudade de algum buritizal, na ida duma vereda em capim tem-te que verde, termo da chapada. Saudades dessas que respondem ao vento, saudade dos Gerais (...) E escutei o barulho, vindo de dentro do mato, de um macuco - sempre solerte. Era mês de macuco ainda passear solitário - macho e fêmea desaparelhados, cada um por si.'" (49)
"Nesse trecho fundem-se todos os personagens do livro em seu plano mítico: o rio, o vento, a chapada, o buritizal; e o pássaro solitário recebe a transferência sentimental: Riobaldo também procura o seu amor e encontra Diadorim que é impossível." (49)
"Outros amores o vento lhe trará." Antes de chegar na fazenda onde mora Otacília "um largo vento o rodeia, falando em liberdade" (pois depois ele casará e ficará preso) (49)
No Urucuia 'aprazia escutar o ventinho do chapadão, com o suave rumor que assopra e faz.' (49)
É também o vento que anuncia a vinda de Zé Bebelo e avisa acerca da morte de Medeiro Vaz ('dava um frio vento, com umidades') e depois, de Joca Ramiro ('quando o vento dava para trás, trazia as tristes fumaças [das queimadas]') (50)
"O primeiro aviso de que Diadorim vai morrer na luta contra os judas é um golpe de vento." (...) 'Do vento que vinha rodopiado. O senhor sabe - a briga de ventos. O quando um esbarra com o outro, o doido espetáculo. A poeira subia, a dar que dava escuro, no alto, a ponto às voltas, folharada, o ramaredo quebrado, no estalar de pios assovios, se torcendo turvo, esgarabulhando. Senti meu cavalo como meu corpo. Aquilo passou, embora o ró-ró. A gente dava graças a Deus.' (50)
Diadorim não acha nada demais, "Mas Ca- (50)
çange, o rústico, mais próximo dos segredos da terra e do ar 'não entendia que fosse: redemunho era d'Êle - do diabo. O demônio se vertia, ali dentro viajava.'" (51)
Riobaldo, de início, dá risada, mas depois vem a compreender o aviso e se arrepende: 'Na hora, não ri? Pensei: O diabo na rua, no meio do redemunho... Acho o mais terrível da minha vida, ditado nessas palavras que o senhor não deve de renovar.' (51)
"Na encruzilhada, quando vai chamar o diabo para o pacto, esperava que ele surgisse na 'lufa de um vendaval grande, com ele em trono' " (51)
É um 'montão de vento', com o céu depois se firmando azul e com sol que anuncia a aceitação de Riobaldo como chefe (52)
"Aproximando-se o encontro decisivo, sem saber de onde viriam os judas, ele ausculta os ventos" (52)
"Na véspera do último combate, o vento dá um aviso que ele não entende." (52)
O vento cresce quando Diadorim e Hermógenes estão se enfrentando a punhal. (53)
"se ele [o vento] tanto aparece no livro será porque num romance telúrico, como o de Guimarães Rosa, os elementos da natureza têm mesmo de comparecer. Riobaldo sem o seu ambiente não seria figura de romance moderno. Tanto mais que nos seus Gerais, nos imensos desertos deste Brasil, o homem é mais próximo da terra e do clima que o dos outros homens." (53)
"Não será pela importância do vento naquele pedaço do mundo [onde se passa a aventura bíblica], à beira dos grandes desertos? Vento anuncia chuva, vento desmancha as que vão se formando, toca para longe as nuvens benfazejas. Pois, nos Gerais, o fenômeno é o mesmo. O homem do sertão olha muito para o céu de que depende a roça pequena da família e o vasto campo do gado. Assim, Riobaldo conhecia os ventos. E porque os conhecia, sentia-lhes a chegada, observava-lhes os caminhos, media-lhes a força." (53)
"Não era lavrador. Era jagunço. Vento para ele não avisava chuva. Anunciava o inimigo, a guerra, a (53)
morte, ou o remanso." (54)
***
Buriti
"O buriti é sempre uma nota de suavidade no livro intensamente dramático de Guimarães Rosa. Todos os outros elementos - rio, vento, sertão, terras e céus - como que participam ativamente da estória, impregnam-se de cada 'vivimento' de Riobaldo e de seu bando.
O buriti, não. Nem Otacília. Nem a Bigri que passa levemente numa página do livro, sombra esmaecida de ternura. Pertencem a um plano diferente da vida. O buriti é a imagem da casa e da mulher, da mãe cedo perdida, da noiva muito sonhada." (54)
Esta simbologia já estava presente em Corpo de Baile, cantada pelo violeiro João Fulano:
'Buriti minha palmeira,
mamãe verde do sertão'
E o poeta Siruiz canta o 'buriti - água azulada' (54)
"E a canção de Siruiz é o encontro de Riobaldo com a poesia" (54)
"associação facilmente identificável ao longo do livro, entre buriti e tranquilidade, buriti e noiva, buriti e mãe, buriti e poesia." (55)
"Antes da primeira travessia do Liso do Sussuarão, a última imagem do mundo que iam deixar, talvez para sempre, é um buritizal" (55)
"Na dura travessia, pendido na sela, a testa de chumbo, desvairado de calor e de cansaço, pensa em Otacília, a dos Buritis-Altos:
'Buriti, minha palmeira,
lá na vereda de lá:
casinha da banda esquerda,
olhos de onda do mar' (56)
"Na vida de Riobaldo, 'de um lado e do outr se alinhando, acompanhando', o buritizal marca os remansos." (57)
"Buritis, do Boi, do A, das Três Fileiras, Perdido, o Bom Buriti, e outros, indicam roteiros, marcam estâncias de repouso, reencontro de companheiros." (58)
"Medeiro Vaz - 'palmeira que não debruça - buriti sem entortar' - é enterrado, em dia de chuva e desolação, e 'palmas de buriti novo, cortadas, molhadas' são a mortalha com que o sertão recobre o corpo do Rei dos Gerais." (58)
"Sombra sempre boa, o buriti é para o barranqueiro do São Francisco, prova da existência de Deus: 'Deus é alegria e coragem. Ele é bondade adiante. O senhor escute o buritizal.'" (58)
Otacília é chamada de 'formosura dos buritizais' (59)
Diadorim, se ele soubesse, também "poderia ter sido remanso, ternura consentida. (...) Por isso, no desespero da revalação tardia demais, só sabe dizer: 'Diadorim, Diadorim, oh, ah, meus buritizais lavrados de verdes... Buriti, do ouro da flor...'" (59)
***
Destino
'Se não tivesse parado por um lugar, uma mulher a combinação daquela mulher acender a fogueira, nunca mais nessa vida teria topado o Menino?'
"Na pergunta do barranqueiro do São Francisco, Riobaldo está medindo a parte do Destino em sua história. Porque o Menino que só por acaso reencontrara, tinha sido a sua própria vida de jagunço. Sem ele não teria havido a demanda dos judas, o pacto com o Demo, tanta luta, glória e amargo desespero.
- 'O Urutu-Branco?' - pergunta, recordando. 'Ah, esse... tristonho levado, que foi - que era um pobre menino do destino...'" (59)
"Não lhe cabe responsabilidade do que foi, joguete dos fados. 'Podia até ser: padre sacerdote, se não chefe de jagunços.' Nascera chefe e sabia disso: - 'Para outras coisas não fui parido'. E sabia que 'as coisas acontecem é porque já estavam ficando prontas, noutro ar, no sabugo da unha.'" (62)
Também Diadorim tinha seu destino marcado, desde o berço 'para o dever de guerrear e nunca ter medo, e mais para muito amar, sem gozo de amor' (64)
***
Mar
"A raridade com que se entremostra nas seiscentas páginas de Grande Sertão: Veredas, valoriza a presença do mar, como símbolo cujo sentido não se revela claramente, mas que roça com um largo sopro de poesia trechos de grande intensidade emocional." (65)
"o mar nele [GSV] aparece como o grande desconhecido, mistério que se associa à morte, à eternidade, ao fim de tudo, quando a vida desagua no infinito." (65)
Apegando-se à santa de sua infância, Nossa Senhora da Abadia, com medo de que o diabo venha lhe cobrar o pacto: 'Só Ela me vale, mas vale por um mar sem fim.' "Nesse trecho, o mar se confunde com a própria misericórdia divina, em que se dissolverão todos os pecados do jagunço, enfim apaziguado." (66)
"Mar e morte. Imagens paralelas desde o primeiro combate no bando dos ramiros." (68)
"Finalmente, reforçando a analogia mar-mistério, a imagem volta no Paredão. Diadorim morreu, Riobaldo abandona o cangaço. Doente, desesperado, sem rumo, a vida para ele não tem mais sentido. E querendo resumir toda essa amargura, o barranqueiro diz, apenas:
- 'Chapadão. Morreu o mar, que foi.' (68)
(Continua, se os deuses forem bons :-) )
Bibliografia:
PROENÇA, Manuel Cavalcanti. (1958) Trilhas no Grande sertão. Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional.
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